Uma população de aproximadamente 54 mil habitantes cercada por 24 barragens. O maior ativo econômico de Congonhas, na Região Central de Minas Gerais, a 89 quilômetros de Belo Horizonte, se tornou também a principal preocupação de moradores. Do total de empreendimentos, 54% têm dano potencial associado considerado alto. Relatório feito pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Congonhas, ao qual o jornal Estado de Minas teve acesso, mostra o que ocorreria na cidade caso as represas se rompessem. Os cenários estudados apontam uma paisagem desoladora: a cidade histórica que abriga os profetas do mestre Aleijadinho seria praticamente varrida do mapa em qualquer situação. E não para por aí. Povoados até mesmo de outros municípios seriam drasticamente afetados.
São 24 barragens de quatro empresas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tem o maior número de estruturas (13), seguida pela Vale e Gerdau (cinco cada uma) e Ferrous (uma). Elas estão incluídas na categoria de risco baixo, mas 13 delas têm potencial associado considerado alto. O risco mede os níveis de problema que ela tem, incluindo a probabilidade de ruptura. Já o potencial associado indica os danos (ambientais, sociais e econômicos) que poderão ocorrer. Sete têm potencial médio e o restante, baixo. O relatório afirma que o perigo oferecido pelas barragens não pode ser subestimado ou diminuído, “devendo ser encarado como real, mas reconhecendo que pode ser minimizado com o conhecimento detalhado das reais consequências que possam vir a acontecer numa situação de ruptura”. Os cenários de possíveis desastres foram traçados a partir de informações obtidas pela prefeitura e modelos matemáticos sobrepostas aos mapas de inundação requeridos junto às empresas que têm barragens no município de Congonhas. Esses dados foram lançados e sobrepostos em imagens de satélite obtidas no software Google Earth, como parte do Plano Municipal de Segurança de Barragens. A maior delas, a Barragem Casa de Pedra, da CSN, localizada próxima à área urbana, tem 21 milhões de metros cúbicos, atualmente – há quem conteste a informação, dizendo que o total chega a 50 milhões. São 107,5 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração e água acondicionados nas represas da cidade.
(foto: Arte EM)
Estancamento no Rio Maranhão
Estancamento no Rio Maranhão
Um evento na área dessa barragem poderia, além do impacto com o rejeito e água verificado nas projeções, provocar um estancamento no Rio Maranhão, represando o mesmo e causando inundação de toda a Área Central, até que sua fluidez fosse normalizada, o que levaria muitos dias, dependendo de uma série de fatores climáticos e de material acumulado. A previsão é que 1,5 mil pessoas seriam atingidas diretamente. Um rompimento na barragem de água do Lago Soledade, da Gerdau, causaria um evento de grandes proporções na área urbana. A perspectiva é de que atingiria mais de 3,5 mil pessoas. Além do Centro de Congonhas, distritos como Joaquim Murtinho e Lobo Leite (localizado em Ouro Preto) seriam afetados. A água inundaria também a BR-040, provocando arraste e impedindo o fluxo de trânsito. “Há relatos de ‘transbordamento’ de água da barragem que resultaram inclusive no rompimento de um duto de passagem que provocou o desmoronamento de trecho da MG-030, próximo ao Distrito de Lobo Leite, e a consequente inundação de pontos na zona urbana. Nenhum registro sobre o assunto foi encontrado”, aponta o documento.
Ainda de acordo com o relatório, análise do mapa de inundação da Barragem do Vigia, da CSN, mostra que são fortes os indícios de subdimensionamento das áreas de alcance hipotético da onda. “Sobretudo se comparado a um evento concreto em 2007, que inundou o Bairro Santa Mônica. Pela projeção do estudo atual, mesmo considerando o colapso total da barragem, ou seja, um evento de proporções bem maiores que o rompimento no extravasor da ombreira em 2007, a onda de inundação não afetaria o Bairro Santa Mônica, por exemplo, o que não corresponde com o caso concreto que se verificou há 10 anos”, informa o texto. Na Barragem do Barnabé, na Vale, a montante da Cachoeira de Santo Antônio, um eventual rompimento inundaria o Parque Ecológico da Cachoeira por completo. “Se tal evento acontecesse em um período de alta temporada, quando o parque chega a receber milhares de turistas, os alertas sonoros e zonas de autosalvamento (ZAS) pouco teriam serventia, pois as pessoas não saberiam como proceder, além de não existir atualmente nenhum plano de contingência”, alerta o relatório. A preocupação é grande com a Barragem Casa de Pedra, devido à sua localização: praticamente dentro da cidade, é a que todos veem, parecendo abraçar a área urbana. A estrutura fica a 250 metros de casas e a 2,5 quilômetros do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, patrimônio cultural da humanidade. Mas outras merecem atenção, diz o secretário Municipal de Meio Ambiente de Congonhas, Neilor Aarão. “O estudo avalia o cenário como se todas se rompessem ao mesmo tempo. Cruzamos todos os dados, alguns não foram satisfatórios na comparação com exemplos de casos concretos. Os estudos das empresas estavam subdimensionados”, acrescentou.
Embora próxima à área urbana, Casa de Pedra é considerada mais segura por causa do seu método de construção: a jusante. Por ele, a barragem é amparada por terreno que vai sendo erguido ao lado dela e preparado para receber a estrutura. À medida que a estrutura vai sendo ampliada, ele vai crescendo. É uma técnica mais cara que a montante, cuja ampliação se faz em cima do próprio rejeito.
O professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), engenheiro hidráulico Carlos Barreira Martinez, lembra que a cidade antecede a barragem. “Elas estão muito próximas à área urbana. E são originárias de um outro tempo: quando a imprensa não existia, pessoas não tinha aceso à universidade ou ao WhatsApp. As empesas têm dinheiro para gastar. Para elas, o único impacto é um custo mais alto do minério pela paralisação de algumas áreas da Vale e a diminuição da produção.” Procuradas para se posicionar sobre o Plano Municipal de Segurança de Barragens de Congonhas, a Vale, a CSN e a Ferrous não se manifestaram. A Gerdau informou, por meio de nota, que a barragem para a reserva de água de Soledade está localizada já no município vizinho de Ouro Branco e é usada para a captação da água necessária para a operação da usina daquela cidade. “Soledade é uma barragem convencional e não possui alteamentos como as de rejeitos de mineração. A Gerdau reforça ainda que Soledade passou por inspeção em setembro de 2018 e recebeu parecer favorável da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), que atesta as condições de segurança hidráulica e de estabilidade física do maciço”, diz o texto.
Histórico
A preocupação em Congonhas não é para menos. O levantamento mostra 20 desastres em barragens no mundo, sendo sete deles no Brasil, todos em Minas Gerais. A ocorrência mais antiga em território mineiro foi a Mina de Fernandinho, em 1987, quando sete pessoas morreram. Depois, veio o da Mineração Rio Verde, em Macacos (Nova Lima, na Grande BH), em 2001, com cinco mortes no desastre que atingiu 43 hectares e assoreou 6,4 quilômetros do leito do Córrego Taquaras. A partir daí, o estado viveu uma sequência de tragédias. Em 2003, em Cataguases, na Zona da Mata, a barragem de água e resíduos de produção de celulose de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel se rompeu, liberando no Córrego do Cágado e no Rio Pomba cerca de 1,4 bilhão de litros de lixívia (licor negro), sobra industrial da produção de celulose. O desastre afetou três estados, deixando 600 mil pessoas sem água. Quatro anos depois, foi a vez da Barragem da Mineradora Rio Pomba Cataguases (Mineração Bauminas). Mais de 4 mil moradores ficaram desalojados, e ao menos 1,2 mil casas foram atingidas. Em 2014, novamente em Itabirito, uma barragem da Mineração Herculano se rompeu e soterrou os operários que realizavam a manutenção no talude de uma represa de rejeitos de minério de ferro desativada, deixando três mortos. Um ano depois, o rompimento da Barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central do Estado, entrou para o mapa do mundo como o maior desastre socioambiental do planeta. Dezenove pessoas morreram. Um dos corpos nunca foi encontrado. A tragédia de Brumadinho já soma 160 mortos e 165 desaparecidos.
Fonte Correio Braziliense