Alberto Jorge Souza, de 54 anos, já está com tudo preparado para quando a morte chegar. O morador de Caicó, no Rio Grande do Norte, construiu o seu próprio túmulo ainda em vida e diariamente frequenta o local, “faça chuva ou faça sol”, para deixá-lo limpo e organizado.
Como há uma grande foto dele próprio no local, é claro que isso gera bons sustos nos frequentadores do cemitério Campo Jorge, no bairro Boa Passagem.
Beto Fera, como é conhecido na região, decidiu construir o seu leito de morte ainda na infância e a conquista do seu espaço no cemitério, que veio há 7 anos, foi a realização de um “sonho”, como ele mesmo classifica.
“Quando eu era pequeno sempre eu via aquele povo nos túmulos bonitos e eu admirava, achava tudo muito bonito. Então eu coloquei na cabeça que eu queria fazer um túmulo assim para mim. Comecei a trabalhar, juntar dinheiro devagarzinho, e foi indo”, conta ele.
Beto cuidava da cova do seu padrinho, cujo corpo foi transferido para outro cemitério. Quando a vaga ficou vazia, a madrinha decidiu doar o espaço para o potiguar, já sabendo do seu desejo de ter um lugar para o descanso eterno. Foi um presente na minha vida que eu não esperava.
Túmulo foi doado por madrinha Imagem: Arquivo pessoal
Atualmente, Beto está afastado do trabalho como pintor por questões de saúde, mas, durante a sua trajetória, os laços com o cemitério também foram profissionais. Ele conta que já trabalhou em duas funerárias e também já ajudou diversas vezes os funcionários do local com a cavação de covas.
Eu era quem aprontava os corpos. Dava banho, deixava na residência. Eu sempre fui muito a favor de trabalhar com gente que já morreu. E à primeira vista eu me apaixonei por isso. Se pudesse, morava dentro do meu túmulo, com uma casa subterrânea.
O túmulo foi sendo construído ao longo do tempo e, para Beto, já está pronto para recebê-lo quando o dia chegar. Ainda falta comprar o caixão e escolher a mortalha, mas as botas com as quais ele quer ser enterrado já estão separadas no armário.
Não comprei um caixão para levar para a casa porque ela é pequena. Minha vontade é comprar um caixão e levar pra dentro, para nas noite de frio eu ter onde dormir.
Histórias de sustos com o túmulo de Beto não faltam. “Um dia uma amiga chorou muito ao ver o meu túmulo e quando eu encontrei no comércio da cidade teve um susto muito grande e passou mal no meio da rua. Fazia muitos anos que não nos víamos e ela achou que eu estava morto”, conta.
No mês passado, em um domingo ao anoitecer enquanto limpava o túmulo, uma senhora, acompanhada da filha, se aproximou do local e perguntou-lhe se ele era irmão gêmeo do homem que estava sepultado. “Quando eu disse que aquele era eu, a mulher ficou tão nervosa que não queria mais se aproximar e a filha ficou avisando que eu, na verdade, estava vivo. Aqui, o pessoal tem medo de alma, mas eu já dormi dentro de cemitério e sempre foi tranquilo.”
Beto diz que até uma simulação do próprio enterro já encenou. Ele conseguiu um caixão emprestado e pediu para que os amigos o acompanhassem até o seu túmulo, conforme ditam os rituais. A expectativa de Beto é a de que no próximo dia de Finados consiga alugar um novo caixão para repetir a dose.
Me colocaram em cima do carrinho, colocaram flores, andaram devagarzinho, como quem estava rezando. Fecharam a tampa e eu só via uma escuridão lá dentro. Não tive medo. Estou preparado para a morte e senti uma sensação muito boa, como se eu tivesse indo a caminho do Céu.
Apesar de viver sob uma constante despedida, o potiguar diz que a família já está conformada com a sua morte e que o apoia. “Eu jamais queria ficar vagando, aparecendo e pedindo para as pessoas fazer algo diferente com o meu túmulo, cobrando elas. Como eu já fiz em vida, isso facilita muito. E evita também as brigas familiares, porque eu já tenho um canto certo”, explica.
Ele ainda diz que não tem medo da morte e que sabe que dessa vida não levará nada, além das próprias experiências.
A pessoa nunca pode abrir a boca e dizer ‘a minha casa é essa aqui’. Você está morando em uma casa, não lhe pertence, aquilo vai ficar para outros familiares, porque a sua casa certa é o cemitério: você vai para lá e nunca mais sai. Caixão não tem gaveta, e mortalha não tem bolso.
Fonte UOL, em São Paulo
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