“Diziam que eu iria sangrar até morrer”, relembra angolano baleado em abordagem policial em Gravataí

Técnico em radiologia, trabalhador radicado na cidade de Anápolis, em Goiás, e aprovado para cursar mestrado em Portugal, o angolano Gilberto Andrade de Casta Almeida, 26 anos, estava curtindo férias no Rio Grande do Sul com a amiga Dorildes Laurindo, 56 anos, que reside em Cachoeirinha. Eles voltavam de uma viagem ao litoral gaúcho, onde foram ver o mar, quando o motorista de aplicativo que os transportava – Luiz Carlos Pail Junior, foragido da Justiça por tentativa de feminicídio – furou um semáforo vermelho e passou a ser perseguido por viatura do 17º Batalhão de Polícia Militar (BPM). Quando o motorista abandonou o carro, tentou fugir a pé, mas foi capturado. 

Gilberto e Dorildes permaneceram no veículo, mas, antes que pudessem explicar que eram passageiros, foram baleados. A mulher está internada na UTI, enquanto o angolano passou 12 dias na Penitenciária Estadual de Canoas. O delegado Eduardo Limberger do Amaral concluiu que Gilberto não estava armado – um revólver foi encontrado no veículo – e que ele não revidou à abordagem. Confira abaixo o relato do drama do imigrante, que se recupera em Porto Alegre, na residência de um compatriota. Está sendo um momento de muita felicidade. Liberdade não tem preço, ainda mais quando se é inocente. Na sexta-feira (29), quando a advogada foi falar comigo no parlatório, ela disse que tinha ido me buscar e que estavam me esperando do lado de fora o presidente da Associação dos Angolanos, a família da Dora (Dorildes Laurindo, amiga) e a imprensa. Aí eu me senti mais acolhido. Neste momento, estou recebendo assistência da Associação dos Angolanos no Rio Grande do Sul. Foi um final de semana muito bom. Pude sorrir de novo e até fizemos churrasco. Comi também uma comida da minha terra, chamada funge, é tipo uma polenta.
Foram 12 dias na prisão em Canoas. Como passaram teu coração e tua cabeça naqueles momentos?

Foi um sentimento de muita tristeza. Como todo mundo já sabe, eu era inocente. E um sentimento de revolta também, de dor. Muita pressão psicológica. Coisas terríveis, muito ruins.

Na prisão, você ficou isolado ou junto de outros detentos?

Quando saí do hospital, primeiro fui para a Delegacia de Polícia de Gravataí. Aí eu fiquei sozinho em uma cela. Era uma cela muita imunda. Se fazia tudo ali, as necessidades fisiológicas, comer e dormir. Era chão de concreto. Foi muito doloroso. Depois entrou mais um preso nessa cela da DP. Na segunda-feira (18) pela manhã, me transferiram para o presídio de Canoas. Lá eu estava com um outro preso, mas já tinha cama pelo menos.

Te fizeram alguma agressão física ou psicológica na prisão?

A humilhação que eu tive foi quando eu disse que era inocente. Todo mundo ficou debochando. “Na cadeia, todo mundo é inocente. É sempre assim.” Foi a parte mais humilhante. Todo mundo rindo, dando gargalhada. Isso foi quando eu entrei em Canoas (no presídio).


Fonte: Gauchazh