O deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores Antonio Gomide carrega uma série de embaraços do período em que foi prefeito de Anápolis: são cinco processos por improbidade administrativa na Justiça de Anápolis, uma investigação do Tribunal de Contas da União e a impugnação de valores recebidos do Ministério do Esporte. Gomide deve ainda R$ 49 mil em multas aplicadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) por diversas irregularidades em sua administração. O petista argumenta que os processos já notificados foram respondidos e que as multas serão pagas parceladamente. Recentemente, o parlamentar foi notificado pelo Departamento de Gestão Interna do Ministério do Esporte a explicar irregularidades na execução de um convênio entre o ministério e a Prefeitura de Anápolis, no valor de R$ 813 mil. Com data de recebimento de 14 de janeiro deste ano, o ofício pede que seja regularizada a prestação de contas de 2010, referente ao projeto de implantação de 48 núcleos de Esporte Educacional em Anápolis. O projeto atenderia 4.800 crianças, jovens e adolescentes com práticas esportivas.
O departamento de gestão interna do Ministério do Esporte impugnou dois valores repassados à Prefeitura de Anápolis para execução do projeto: R$ 376 mil e R$ 157 mil. Atualizados, os valores subiram para R$ 574 mil e 239 mil, respectivamente. Ao Jornal Opção, Gomide disse que “todos [os processos] que foram comunicados, já foram respondidos”. Insistiu também que não tem nenhuma condenação. “Não tenho nenhuma condenação, apesar de ter tido vários processos e aberturas de inquéritos. Alguns deles já foram arquivados e os que estão em andamento, estão sendo respondidos, uma vez que não tem nenhum tipo de sentença desfavorável à minha pessoa”, afirmou Gomide.
Bloqueio de bens
Em abril do ano passado, o deputado teve os bens bloqueados pela Justiça. O caso envolve a construção da nova sede da Câmara de Vereadores de Anápolis. O parlamentar recorreu, mas sem sucesso. De acordo com o juiz do caso, Carlos Eduardo Rodrigues de Sousa, da Vara de Fazenda Pública Municipal de Anápolis, a paralisação da obra causou um prejuízo de R$ 1,6 milhão. Além de Gomide, o ex-prefeito João Gomes e ex-secretários também tiveram os bens bloqueados na mesma ação.
“No que tange ao alcance da indisponibilidade, a regra contida no art 7º, parágrafo único, da Lei 8429/92, estipula que a constrição cautelar deve abranger uma quantidade de bens estimada em valores suficiente para garantir a recomposição do prejuízo efetivamente causado ao Erário, que, no caso particular dos autos, estão por ora estimados no valor total de R$ 1.638.528,40, representado pelo somatório do dano material advindo da paralisia da construção e quantificado em R$ 638.528,40, acrescido da projeção de dano moral coletivo no montante de R$ 1 milhão”, arrematou o magistrado da Justiça de Anápolis. A decisão da Justiça atendeu ao pedido do Ministério Público de Goiás, que investigou o caso e solicitou o mesmo bloqueio de bens aos envolvidos por parte da construtora e alguns fiscais de obras da prefeitura.
Para o Ministério Público, Gomide e os demais envolvidos foram enquadrados no art. 12 da lei, que prevê “ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos”. No entanto, o magistrado não julgou sobre a perda dos direitos políticos dos envolvidos.
Perda dos direitos políticos
As sanções para os atos de improbidade administrativa cometidos pelos agentes públicos e ex-agentes públicos estão previstas no art. 12, da Lei Federal n. 8.666/93, mais conhecida como Lei de Licitações e Contratos, segundo o advogado eleitoral Danúbio Cardoso Remy. A perda dos direitos políticos e a inelegibilidade em até oito anos acontece quando o réu foi condenado em segunda instância, segundo Danúbio. “Gomide pode estar inelegível em 2020 se for condenado na Justiça de Anápolis e depois condenado no Tribunal de Justiça de Goiás por um colegiado”, explica o advogado.
O petista pode ser tornar inelegível também caso o Tribunal de Contas dos Municípios reprove as contas do exercício de Gomide à frente da Prefeitura de Anápolis. “Para isso, o TCM tem de entender que houve fato doloso e o réu não puder recorrer da decisão. Então o réu pode ficar inelegível por oito anos”, afirma Danúbio Cardoso. “O importante em relação ao TCM é ter aprovado todos os balancetes da minha gestão”, retruca Gomide.
Multas não pagas acumulam R$ 49 mil
A reportagem teve acesso aos extratos de imputação de débitos e multas do TCM em nome do petista. O deputado estadual possui 32 multas não pagas – imputadas entre 2009 e 2015. Os motivos das multas são vários. Os mais recorrentes são “entrega intempestiva de contas”, “ausência de ART de fiscalização de obra” e “celebração de contratos em afronta às determinações do TCM”. Constam também multas de “ato de gestão ilegal e ilegítimo, por não determinar imediata deflagração de concurso público” e até conceder aposentadoria a servidores municipais a despeito dos julgamentos irregulares pelo TCM.
“Todas as multas estão sendo acompanhadas no Tribunal de Contas dos Municípios. Tive todas as minhas contas aprovadas pelo TCM de 2009 a 2014. Tanto o balanço geral quanto o balanço de gestão. As multas envolvem também ex-secretários e participação das secretarias. Não tenho dificuldade nenhuma em parcelar as multas para pagar, até porque vou assumir todos esses procedimentos para cumprir tudo que está determinado em lei”, promete Gomide.
Superfaturamento de R$ 12 mil na reforma da laje do Centro Administrativo
O Tribunal de Contas dos Municípios também condenou o ex-prefeito por superfaturar um contrato entre a Prefeitura de Anápolis e uma empresa de impermeabilização. A empresa foi contratada, em 2009, para impermeabilizar e reformar 2 mil metros quadrados de laje do Centro Administrativo. Gomide teria superfaturado o contrato em R$ 12 mil, com preço acima do referencial no serviço de manta asfáltica. Os técnicos da Engenharia do TCM refizeram os cálculos do orçamento com base em uma tabela da extinta Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), usada como referência de valores para material de construção. O somatório com a tabela da Agetop ficou em R$ 135. 586,96 e o valor contratado foi de R$ 147.674,72. O relatório do então conselheiro Virmondes Cruvinel alegou que os serviços não se estavam separados em itens do orçamento, o que poderia provocar duplicidade de serviços.
A defesa de Antonio Gomide alegou no processo, à época, que a Prefeitura de Anápolis tentou se basear em recomendações de Acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU). Gomide foi condenado pelo TCM, em outubro de 2013, a pagar a diferença de 10% de superfaturamento no contrato, ou seja, de R$ 12 mil, mas até o momento o valor não foi pago. Não cabe mais recurso ao ex-prefeito no próprio TCM, apenas no Judiciário de Goiás. E o TCM não recebeu nenhum comunicado do TJ-GO sobre qualquer recurso de Gomide. O processo encerrou-se em 2013. O TCM explica que este Acórdão será entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Goiás em agosto de 2020 para analisarem e julgarem se Antonio Gomide poderá ser candidato a algum cargo eletivo, caso ele decida se candidatar.
Nova sede da Câmara Municipal aguarda licitação
Objeto do bloqueio de bens de Antônio Gomide, a obra para construção da nova sede da Câmara de Vereadores de Anápolis segue parada. Segundo a assessoria de Comunicação da Prefeitura, haverá um novo processo de licitação para a fim de retomar a construção do prédio.
O relatório do Ministério Público que apontou as supostas irregularidades do ex-prefeito do PT, assinado pelo promotor Arhur José Jacon Matias, denunciou os atrasos na entrega da nova sede da Câmara Municipal há dois anos. “Com isso, depois de superados todos os prazos estipulados no contrato, o empreendimento estava – e está – muito longe de ser concluído, apresentando erros grotescos de execução, reduzindo até agora à completa inutilidade o vultoso desembolso de dinheiro público municipal”, escreveu Matias em 13 de dezembro de 2017.
No decorrer da investigação, o promotor relatou que a empresa abandonou a obra três anos depois de iniciada, sem corrigir os erros do projeto. “Nem um pouco envergonhada e receosa pelos erros terríveis que cometeu, causadores de evidentes danos ao patrimônio público, no decorrer do mês de abril de 2016, depois de notificar a Administração Municipal, a construtora suspendeu seus serviços, entregando somente 42,06% do objeto do contrato, sem nem sequer buscar corrigir os monumentais erros de projeto e de execução. Frise-se que, a esta altura, a obra já devia estar concluída”, escreveu Jacon Matias no relatório entregue à Justiça de Anápolis.
A nova sede da Câmara foi orçada, inicialmente, R$ 17 milhões e o contrato estabelecia prazo de 24 meses para conclusão do serviço. O MP ressalva, contudo, que os projetos arquitetônico e estrutural continham graves erros de engenharia, que prejudicaram a execução regular da obra e causou a paralisação do empreendimento. A suspensão da obra causou o prejuízo de R$ 638 mil, segundo o MP, para as atividades legislativas dos vereadores de Anápolis e levou ao bloqueio dos bens dos envolvidos.
O MP lembra que a casa legislativa se viu obrigada a transferir as atividades para cinco prédios improvisados, que tiveram que ser alugados com gasto de recursos públicos que poderiam ser poupados caso a sede do órgão tivesse sido terminada no prazo contratual estabelecido. “A obra já está paralisada há mais de um ano e seis meses [laudo de 2017], ficando o prédio onde funcionava a Câmara Municipal abandonado, exposto às intempéries do tempo e sofrendo ocupação por parte de vândalos”, sustentou o promotor Jacon Matias.
Funcionários fantasmas receberam R$ 118 mil da prefeitura sem trabalhar
O deputado Antônio Gomide também responde a uma denúncia de contratação de funcionários fantasmas pela Prefeitura de Anápolis. Um deles, envolve um odontólogo. O outro diz respeito a uma técnica em enfermagem. No caso do dentista, o Ministério Público alega que o profissional, que havia passado em um processo seletivo para cargo temporário, seguiu recebendo os salários normalmente, mesmo depois de deixar as funções. Segundo o MP, no período, o servidor ficou à disposição do Conselho Municipal de Saúde, sem respaldo administrativo. “Essa aberração foi tolerada pelos outros requeridos [Antonio Gomide]. Estes acharam mais conveniente manter o primeiro requerido [dentista] sob controle, permitindo assim que se descurasse de suas obrigações contratuais, e permanecesse somente no Conselho Municipal de Saúde, sem que houvesse qualquer ato administrativo que conferisse sequer disfarce de legalidade à espúria conduta”, disse o promotor Jacon Matias, o mesmo que atua no caso da Câmara de Vereadores.
Segundo o promotor, o dentista recebeu R$ 46 mil durante o contrato sem trabalhar. A ex-Secretária Municipal de Saúde também foi arrolada no processo por saber do ocorrido e não ter tomado as providências cabíveis. Neste processo, o promotor também pediu a suspensão dos direitos políticos dos envolvidos, pagamento de multa e bloqueio de bens. “Desse modo, devem ser aplicadas aos requeridos as sanções acima citadas, porquanto praticaram, sem resquício de dúvida, ato de improbidade administrativa que implicaram enriquecimento ilícito (receber remuneração paga pelo erário municipal sem efetivamente trabalhar)”, assinou o promotor. O processo corre na Justiça desde junho de 2017 ouvindo os envolvidos. O valor da causa foi estipulado em R$ 139 mil.
Em outro processo, de fevereiro de 2018, Jacon Matias acusa uma técnica de enfermagem, aprovada em concurso público, de não trabalhar no cargo. A profissional de saúde também foi cedida pela prefeitura ao Conselho Municipal de Saúde, onde já ocupava cargo de conselheira por indicação. A técnica de enfermagem passou a exercer função de fiscalização no conselho, recebendo o salário previsto no concurso. O MP alegou que a técnica teve problemas pessoais com a direção do Hospital Municipal de Anápolis, onde deveria trabalhar, e foi cedida ao conselho de saúde, em contrário a uma resolução do Conselho Nacional de Saúde.
A profissional recebeu vencimentos de R$ 72 mil entre 2010 e 2013, pagos pela prefeitura de Anápolis, e R$ 37 mil do Estado de Goiás, no mesmo período, onde também era concursada. “Em suma, a primeira requerida [técnica de enfermagem] era de fato uma servidora ‘fantasma’ e, assim agindo, com a aquiescência dos demais requeridos, locupletou-se à custa do erário. Nesse aspecto, os demais requeridos devem responder por omissão dolosa”, sugeriu o promotor. O relatório de Jacon Matias deu à causa o valor de R$ 330 mil em fevereiro de 2018.
TCU quer audiência para explicar irregularidades em contrato de asfalto
Antônio Gomide também é requerido em outro processo, em curso no Tribunal de Contas da União (TCU), para explicar uma irregularidade em pavimentação asfáltica com recursos federais. O ministro Vital do Rêgo relatou que o processo licitatório e de contratação das obras custeadas pelo contrato de repasse (intervenção) “firmado no âmbito da Ação 1D73 está eivado de falhas e houve subcontratação irregular”.
A recurso é oriundo de emenda do ex-deputado federal Jovair Arantes e foi destinado para implantação de infraestrutura, pavimentação e drenagem dos bairros Flor de Liz, Ibirapuera e Residencial Dom Felipe. Contudo, os bairros indicados na execução do contrato de repasse são outros: Interlândia, Santos Dumont, Las Palmas, São Conrado, Jandaia, Escala e adjacências. “Percebe-se, assim, um descompasso entre a demanda inicial e o pactuado”, analisou Vital do Rêgo.
O investimento federal também abrangeu o Ministério do Turismo, em dezembro de 2009. No processo há cópia da declaração de interesse turístico do então prefeito Antônio Gomide, na qual expressa que as obras, em diversos bairros, seriam responsáveis pela consolidação dos núcleos turísticos da cidade.
“Em que pese não ser objeto do trabalho, fica o questionamento acerca do real interesse do Ministério do Turismo em fomentar ações (pavimentação asfáltica) que mais se coadunam com a pasta do Ministério das Cidades, ainda mais em diversos bairros, muitos situados na periferia do município”, argumenta o relator do processo no TCU, Vital do Rêgo, em despacho assinado em julho de 2018.
Entrevista/Danúbio Cardoso
Se Gomide for condenado por improbidade administrativa, fica proibido de se candidatar
Advogado eleitoral avalia as consequências dos processos na Justiça para a eleição de 2020
O advogado eleitoral Danúbio Cardoso explicou que as ações em trâmite na Justiça podem ter dois efeitos diferentes para Antonio Gomide na eleição municipal do ano que vem. Uma delas é ficar proibido de se candidatar por oito anos se for condenado em segunda instância na Justiça de Goiás, como aconteceu com o ex-presidente Lula da Silva no ano passado. A outra é ser condenado pelo Tribunal de Contas dos Municípios em caráter irrecorrível, ou seja, que não pode se recorrer da decisão.
Outra situação que precisa acontecer, como explica Danúbio, para tornar o deputado estadual inelegível é ser condenado até a data da elegibilidade do Tribunal Regional Eleitoral. “Ele precisa estar condenado em segundo grau em Goiânia pelo TJ até o registro das candidaturas, em julho do ano que vem. Não acredito que saia pelo curto prazo. O TRE tem cinco dias para analisar as candidaturas e, se no momento da análise ele não tiver decisão em segunda instância, os juízes eleitorais não vão impugnar qualquer eventual candidatura dele”, esclarece Danúbio.
Caso o deputado estadual tenha condenação em segundo grau, pode concorrer ainda sub judice, como aconteceu com Lula na eleição passada e depois passou a candidatura para o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. “O caso é que o Sergio Moro foi muito rápido no caso Lula, ele estava exclusivamente para isso, marcando audiências semanais. Mas normalmente os advogados de defesa arrolam 30 testemunhas, o juiz entra de férias, um desembargador pede vistas para esperar passar o prazo de inelegibilidade”, ilustra o advogado.
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